domingo, 3 de agosto de 2014

Piquete - acerto final

        Sugiro que seja lido  antes  Piquete - a luta e Piquete - a confissão

Percival Cândido acorda em uma sala escura, com apenas um foco de luz sobre si. Apesar de confortavelmente sentado em uma poltrona está meio zonzo, e ao abrir os olhos e vê que a situação não é favorável. A frente dele está uma bela mulher e ao redor quatro homens consideravelmente fortes.
– Posso saber por que estou aqui? – Pergunta Percival.
– Saberás – reponde a mulher.
– Uma mulher tão bonita quanto você não precisava mandar estes gorilas me pegarem no meio da rua e me trazerem para cá, né? – Percival dá gargalhadas e continua – eu teria vindo de bom grado.
– Vejo que está recobrando a consciência. E acho que você não está em condição de fazer gracinhas, não é mesmo? 
            – Continuo achando que sem os gorilões nosso papo fluiria melhor.
– O teu perigo aqui é eu. E depois, apesar deles estarem sob o meu comando, posso não contê-los se continuar provocando.
– Ai, que meda.
– É importante manter o respeito, pois qualquer um deles pode fazer tua dentadura sair pela nuca – silêncio na sala – podemos prosseguir?
– É não tem jeito, fazer o quê?
– Como se chamas?
– João da Silva.
A interrogadora olha para um dos homens, que se aproxima por trás da poltrona. Ela volta a olhar para Percival e dá um sorriso. Então, Percival sente uma mão pesada sobre o seu ombro e é perguntado novamente.
– Não entendi, poderia repetir o seu nome?
– Percival Cândido ao seu dispor.
– Ah! Realmente eu não tinha entendido. Ouvi João da Silva.  Qual a sua profissão?
– Representante de vendas de roupas íntimas.
Percival sente a mão pesada novamente e antes da interrogadora perguntar mais uma vez ele responde:
– Matador de aluguel.
– Agora começamos a nos entender – sorri a mulher
– Se já sabia por que perguntou?
– É para você ver que precisa dizer a verdade e que pode ser muito ruim mentir para mim. Ganhando a minha confiança poderemos nos dar bem.
– É para matar quem?
– Mas que pressa. Nem parece profissional. Ou então está querendo se livrar de mim.
– Não senhora. É que eu nunca fui contratado desta maneira.
– Eu sei! É discretamente pela internet.
– É! Está muito bem informada. Assim estou em desvantagens. Nem sei o nome da senhora.
– Vamos fazer uns esclarecimentos: Um, você não está em condições de fazer reivindicações; Dois, eu poderei ser a contratante, logo mando; Três, sou uma pessoa diferenciada dos teus demais clientes, gosto de olhar diretamente nos olhos dos meus contratados e mostrar que não tolero erros. Entendeu?
– Sim patroazinha, acho que eu não tenho escolha.
– Que bom. Gostei do patroazinha. Pode me chamar assim que é bem melhor do que senhora. Bom, eu sei que é contratado pela internet, não sabe quem o contrata, e quem o contrata não te conhece. Cobra 50% antes e 50% depois do serviço. Coisa bem estudada, leva algum tempo. Todo o cuidado para o serviço sair perfeito. Trabalho limpo. Correto?
– É, a patroazinha está muito bem informada mesmo.
– Por isto sou diferenciada. Nunca ficou sem receber a segunda parte? Pois se não conhece o contratante como vai correr atrás?
– O problema chefinha...
– Patroazinha! – Interrompeu a interrogadora.
– Certo, certo, o fato é que com este tipo de trabalho ninguém quer brincar. Quem contrata tem medo de ser descoberto, mesmo que seja tudo no mais alto sigilo. Porém, teve uma vez que eu não recebi a segunda parte, mas deixei assim mesmo porque o cachorro era grande.
– Cachorro grande?
– É! Quer dizer, tudo indica que sim.
– E a polícia nunca conseguiu te pegar?
– Nunca passaram nem perto. Tenho alguns segredos para escapar. Na verdade, eles vão primeiro nos suspeitos. Como não conseguem provar nada, pois estes sempre tem algum álibi porque estão longe dos locais dos crimes e acompanhados, a polícia acaba desistindo ou investigando em vão.
– Você sempre acompanha as investigações?
– Por um tempo, mantendo certa distância. Quando vejo que não tem mais perigo deixo de lado.
– Mas assim você acaba descobrindo quem mandou?
– Mais ou menos. Por que se a polícia não consegue provar como vou ter certeza. Para mim não importa quem mandou ou o motivo, o que vale é o dinheiro e a minha segurança.
– Quantos serviços já te encomendaram?
– Vinte e dois.
– Todos executados.
– Todos.
– É uma boa ficha. Há quanto tempo está nesta profissão.
– Quase seis anos.
– Puxa, é uma média invejável. Já matou em lote?
– Não. Trabalho em serviços individuais.
– Tem certeza?
– Absoluta. A patroazinha bem é desconfiada, hein?
– É para ver se não está mentindo. Então, foram vinte e duas mortes?
– Não.
– Opa! Vinte e dois serviços, vinte e duas mortes, ou andou matando por prazer?
– Foram vinte e dois serviços e vinte e três mortes, e não foi por prazer.
– Conte-me – Ela fala séria.
– O que eu ganho com isto?
Mais uma vez a mão pesada cai sobre o ombro de Percival e ela fala sorrindo:
– Na verdade você não ganha. Não ganha um passeio com meus amigos aqui.
Percival respira fundo e diz:
– Acho que não tenho escolha, né?
– É! E já deu para perceber que estou sabendo de muita coisa, então, se mentir posso descobrir e não estou para brincadeira.
– Ta bom. Ta bom. Foi o último serviço que fiz. Foi há uns sete ou oito meses.
– Estou curiosa.
– Havia um jovem do sindicato de uma cidade do interior. Ele fazia muito barulho. Fui contratado pela empresa da cidade para dar um jeito no garoto.
– Como sabe que foi a empresa?
– Saber eu não sei. É aquilo que falei. Não dá para ter certeza. É dedução. Quando cheguei não se falava em outra coisa. O cara era muito popular, inteligente e convincente. Convenceu todos os funcionários a fazerem greve. Soube que a empresa perdeu muito dinheiro com as paradas.
– Por isto acha que a empresa que te contratou?
– Sim. Quem mais gostaria de vê-lo morto? A cidade amava aquele cara.
– E não sente remorso de acabar com a vida de alguém assim?
– São negócios patroazinha. Apenas negócios.
– Continua.
– Bom, eu estudei os hábitos do garoto por três semanas. Ele era a vítima perfeita.
Cada dia da semana ele tinha um horário para chegar em casa, pouquíssima variação. Porém, na segunda ele era um relógio, chegava sempre na mesma hora e sozinho. Então, decidi que seria na segunda próxima. Montei minha arma em uma casa abandonada onde eu fiz a vigília. Ficava no fim da rua e muito próxima da casa dele. Esperei pacientemente a hora. A visão era privilegiada, eu fiquei a direita de onde o carro iria parar. A minha arma é muito boa e minha mira melhor ainda. O tempo que ele parava para acionar o controle da garagem era perfeito para mim.
– E aí?
– Estranhei que naquele dia ele estava atrasado. Pensei em abortar. Então avistei o carro dobrando a esquina.
– E?
– Não é que justamente naquela segunda ele veio com a namorada.
– Se a menina não fazia parte dos planos, por que não abortou?
– E a patroazinha acha que eu vi. Avistei o carro chegando preparei minha arma. Quando ele parou na entrada da garagem mirei na cabeça, pois sabia exatamente a hora que ele acionava o controle. Ele era muito previsível. Quando eu puxei o gatilho aquela menina surgiu do nada. Foi tarde demais. Aí tive que dar outro tiro para pegar o cara.
– Doeu na consciência?
– Não. Depois que se mata o primeiro o resto a gente nem liga. Considerei um acidente de trabalho.
– Então foi desta vez que não recebeste a outra metade, o cachorro grande, certo?
– Exatamente. A senhora, quer dizer a patroazinha é muito esperta.
– E por achar que a Empresa é cachorro grande, nunca mais voltou naquela cidade?
– Sim. Eu não tinha motivos, pois vacilei, tenho certeza que é por isto que eu não recebi. E depois, cidade pequena é até perigoso voltar.
– É realmente, apesar do incidente você é muito cuidadoso. Acho que vai dar para fazer negócio.
– Eu tenho tabela.
– Olha só, o cara é organizado. Dinheiro não é problema.
– A patroazinha pode agora me dizer agora quem é o escolhido ou a escolhida?
– Naturalmente. Você conheceu o pai da moça?
– Sim. Ele apareceu muito nos jornais da capital é um fazendeiro da cidade.
– Seria capaz de lembrar dele?
– Eu nunca esqueço um rosto, mas se tiver uma foto ajuda.
– Eu tenho – ela mostra para Percival a foto de Altemir, pai de Mariana.
– Lembro perfeitamente dele.
– Ótimo.
– É ele?
– Sim.
– Posso saber o motivo?
– Você falou que o motivo não importa – sorriu a bela dama.
– A patroazinha tem razão. É que nenhum dos meus serviços teve relação um com o outro.
– É que o pai nunca se conformou com da morte da filha e está fazendo muito barulho. Está incomodando muita gente.
– E por que não me contrataram pelo tradicional?
– Você vacilou, correto?
– Sim.
– Eu fui contratada para julgá-lo. Preciso falar mais?
– Não. Tudo bem. Então, por isto que estes gorilas, quer dizer, simpáticos rapazes me apontaram uma arma no meio da rua e em trajes de passeio me trouxeram para esta sala escura.
– Exato. Porém, você está confortável, não está amarrado, não é?
– É! E o que usaram para me apagar?
– Clorofórmio.
– Entendi. Como vocês me acharam?
– Risos – Você pergunta demais, mas vou responder. Digamos que sempre tem gente mais esperta do que nós.
– Posso fazer mais uma pergunta?
– É lógico – exclama a interrogadora – uma a mais não faz diferença.
– E se meu julgamento desse culpado? – Sorriu cinicamente.
– Acho que estes simpáticos rapazes dariam um passeio com você.
– Imaginei.Ei! Aonde vai?
– Que pergunta indiscreta que está fazendo para uma dama.
– Desculpe.
– Eu já volto.
A interrogadora sai da sala e encontra-se com outro homem que aguardava ao lado de fora acompanhando tudo através de uma janela com espelhos de observação e sistema de som.
– Então Sr. Altemir o que achou? – ela pergunta.
– A especialista é você, mas parece não haver dúvidas. Só pode ser ele.
– É o próprio! É muito amador. Deixa muito rastro e se apertar ele grita. Foi mais fácil do que eu pensava. Ele nem desconfia quem o contratou. Pensa que foi a Mega.
– Eu também pensava. Por isto chamei você.
– O senhor não é do ramo. Nem sempre o maior suspeito é o culpado. Não teria lógica a Mega mandar matar o rapaz se pagou todo o combinado aos funcionários.
– Tem razão.  E pelo que este crápula falou a Mariana não estava mesmo no contrato.
– Sim. Foi puro azar. A sua filha estava no lugar errado na hora errada, lamento.
– E o outro cretino?
– Caso encerrado.
– Ótimo! Seu dinheiro será depositado amanhã sem falta. 
– Se precisar estarei a sua disposição.
E ela se vira em direção a saída quando ele a chama.
– Bela!
– Sim.
– Obrigado.
Ela sorri, sinaliza com a cabeça e vai embora. Altemir entra na sala. Escuta-se apenas um grito de Percival – Não pode ser – e um disparo.

22 comentários:

  1. Você está escrevendo melhor a cada dia... adorei a história. beijinhos

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  2. Muito bom texto, Claudio!
    Não costumo ler esse gênero de literatura, mas gostei bastante!
    Bravo !
    Uma ótima semana para você,amigo!
    http://www.elianedelacerda.com

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  3. O texto é ótimo e o final foi muito justo, mas o que me impressionou mesmo, foi a tua carinha de Percival kkkkkk
    Perfeita!
    Bjsssssss p/vcs

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  4. Cláudio, é verdade que você está escrevendo a próxima novela das nove para a Globo? Conta, conta rs...
    Beijos, menino!!!

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  5. Passando para desejar uma ótima semana!
    Adorei o texto!
    bjcas
    http://estou-crescendo.blogspot.com.br/

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  6. Olá, Boa noite, Cláudio
    sim, parabéns...
    O mais comovente do triste episódio final , foi o relato ouvido pelo Altemir , sobre o puro azar da filha, Mariana, morta, pois estava no lugar errado na hora errada e ele só se importando que o "outro" foi morto...e o final, justo, pois, pelo jeito, nesse mundo , dos crimes ou matadores,não se pode acreditar em nada e ninguém..
    sim, esclarecido, e estava bem claro , que a Bela SÓ lembra a ex,hehehe...
    "– De certa forma você me lembra ela.
    – Cabelo, boca, estatura, jeito de falar e o perfume é o mesmo "
    Obrigado pelo carinho,bela semana, abraços!

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  7. caraca amei o texto, não imaginava q o pai da Mariana pudesse se envolver assim
    http://crisartigosfemininos.blogspot.com.br/

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  8. CARAMBA!!!... SE O FINAL DE TODO ASSASSINO FOSSE ESSE, ESTARÍAMOS MAIS SEGUROS!!!...
    MUITO BOM CLAUDIO!!!...PARABÉNS!!!... BEIJOS NO CORAÇÃO!!!...

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  9. Oie Claudio =)

    Li os post anteriores como você sugeriu para me inteirar da história rs...
    Fiquei bastante surpresa com o final! Foi ótimo!!
    Parabéns!

    Beijos e uma ótima semana;***

    Ane Reis.
    mydearlibrary | Livros, divagações e outras histórias...
    @mydearlibrary




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  10. Olá Claudio!
    Muito bom seu texto, você está a cada dia escrevendo melhor.

    Beijos
    http://estantedafer.blogspot.com.br

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  11. Gostei do final dessa série de textos, você realmente fez um bom trabalho neles.

    thoughts-little-princess.blogspot.com

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  12. Oi Cláudio!
    Deixei hj um pratinho de carreteiro p/você lá no blog.
    Bjssssssss

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  13. Que fluidez de escrita e narração cativante.

    Beijo

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  14. Nossa, estava toda compenetrada e comecei a rir quando ele disse que era vendedor de roupas íntimas! kkkk
    Bjs – Su
    www.rosachiclets.com.br

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  15. Ótimo texto, mas o melhor mesmo foi a foto! rsss

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  16. Wow!! Que bela surpresa!!
    Um desfecho inusitado!!
    Beijus,

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  17. É um grande contador de histórias..Conta de uma maneira envolvente...

    Arrasou!!! Amooo.

    Bjss

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  18. Boa noite amigo Cláudio!
    E chegou ao fim uma história triste, porém com vários momentos parecidos com a realidade. ..infelizmente.
    Feliz Semana!
    Abraços da Bia!

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  19. Super D+ seu texto amigão!
    Resumindo: "O mundo gira, e ate as pedras podem se encontrar."

    Abração Claudio!

    Lyu Somah
    http://lyusomah.blogspot.com.br/2014/08/nao-importa-quais-os-obstaculos-que.html#comment-form

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  20. Gostei muito! Imaginava, até por como foi a segunda parte, que não seria o que ela fazia parecer para ele, mas aí que foi o legal. Fui vendo como ela o enrolava, enquanto ficava o suspense de para quem ela estaria trabalhando.
    Concordo com o primeiro coment!
    bjs

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  21. Ótimo fim!! rs!!!

    Bem merecido para o assassino!!!

    :)

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  22. É verdade, cheguei de férias, e tenho andado, aos poucos, a agradecer as visitas recebidas na minha ausência.
    Para não ser injusta com ninguém... faço-o seguindo as datas em que os comentários foram feitos lá na minha «CASA».
    E não tem sido tão rápido quanto eu gostaria... mas tanto quanto é possível.

    Seguindo o seu convite... vim saber o final de Piquete.
    Inesperado, mas muito bom. Apetece dizer: foi feita justiça. Se todos os criminosos tivessem um fim destes... o mundo poderia ser um pouco melhor.
    Gostei imenso!

    Desejo uma óptima semana.
    Beijinhos

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