Na minha pós-adolescência, minha turma tinha
uns 16 integrantes e todos faziam umas brincadeiras um tanto infantis.
Quando jogávamos tênis na SOGIPA, a Sociedade
de Ginástica Porto Alegre, nossas roupas ficavam penduradas em cabides
expostos. Naquela época, em um clube como este não ocorriam problemas com
furtos, logo não havia necessidade de ter armários com chave. Era seguro, no
entanto, entre nós, a sacanagem corria solta. Era costume esconder as roupas
uns dos outros e se divertir com as vítimas procurando, enquanto os
“criminosos” faziam a maior a cara de santo.
Certa vez, eu escondi muito bem as calças do
argentino Roberto, mas naquele dia, o meu jogo terminou muito antes do dele.
Fui para o vestiário, me arrumei e voltei para a casa esquecendo-me da
molecagem. Após o término do seu jogo, ele procurou, procurou e evidentemente
não encontrou. Eu não era o mais praticante de sacanagem, mas quando fazia, eu
caprichava. Ele me ligou perguntando se eu sabia de alguma coisa. É claro que
neguei, caso contrário, não haveria a menor graça. Como eu percebi que ele
teria que ir para a casa com o uniforme do jogo de tênis e o que é pior sua
roupa poderia ser encontrada por outra pessoa e, mesmo com a segurança do clube,
sei lá o que poderia acontecer, resolvi explicar onde estava. O fato é que ele
não entendeu, e olha que falava muito bem o Português. Assim com a consciência
de que toda brincadeira tem limites, tive que voltar à SOGIPA para devolver
seus pertences. Ainda bem que eu morava perto.
Toda a história acima é apenas para a
introdução do que quero contar.
Na turma, nem todos jogavam tênis, o alemão
de origem chamado Half praticava arremesso de martelo. Para quem não sabe, o
martelo é uma pesada bola de ferro presa por uma corrente e o objetivo do
atleta é arremessá-lo o mais longe possível. Dá para imaginar, então, que o
cara não era nenhum fracote. Como em qualquer época o perigo faz parte da
emoção, fica óbvio saber quem era nossa principal vítima nas traquinagens.
Para aumentarmos sua ira, nós o chamávamos de
“Aralf” tentando imitar um sotaque alemão.
Não é preciso dizer que ele detestava.
O clube tinha uma sala de cinema onde passou
muitos filmes bons. Porém, teve um Domingo que o filme era horrível. Aos
poucos, todos foram saindo do cinema. Quando chegou ao meu limite de paciência,
levantei e me dirigi à saída. Porém, uma cena inesperada. Half estava sentado
em uma poltrona junto ao corredor e sua mochila estava no chão. Naturalmente
que a tentação foi muito grande e eu não resisti. Não satisfeito com a
sacanagem que estava prestes a fazer também “zoei”.
– Vou pegar “o mochila da Aralf” – eu disse.
– Vai levar porrada – disse ele.
Abaixei-me suavemente, peguei a dita e sai
caminhando calmamente até a saída do cinema. Half parecia estar gostando do
filme, pois não veio atrás de mim. Quando encontrei a turma no local de sempre
olharam para aquilo na minha mão e se espantaram.
– O que é isto? – perguntaram mesmo sabendo a
resposta – Ficou maluco?
Entretanto, o espanto terminou muito rápido, arrancaram
a mochila da minha mão e antes que eu fizesse qualquer coisa iniciou a
sacanagem. Um dos mais sacanas, apelidado de Elefante Branco, sem dó nem
piedade, virou uma garrafa de 300 ml de refrigerante dentro da mochila. Este
não era o meu estilo, eu não praticava vandalismo, mas a caca já estava feita,
pois alguns não tinham limites. Ainda por cima, o que eu não sabia é que dias
antes, os mais sacanas já tinham pego as roupas do Half e dado nós terríveis de
desatar. Como seu senso de humor era inversamente proporcional a seu tamanho já
dá para imaginar como ele estava.
Quando terminou o filme, ele veio até nós, ou
melhor, até mim, lógico que imaginando onde iria me jogar, pois naquele
momento, que eu era um martelo ele já tinha certeza. A fúria era tão grande que
a pessoa que estava com a mochila não se apresentou e obedecendo ao código de
honra eu não dedurei mesmo que isto custasse minha vida. Foi formado um círculo
e para minha sorte o Aloísio, conhecido como Gordo, ficou entre eu e o Half.
– Onde está? – perguntou ele.
– Não sei – respondi.
Então veio o primeiro soco. Só que naquela
época eu era muito ágil e como o torpedo veio em curva contornando o Gordo, eu
consegui saltar para trás diminuindo o impacto.
– Onde está? – perguntou novamente.
– Não sei – repeti a resposta.
E veio o segundo soco. Novamente foi um
míssil curvilíneo, mas foi tão forte, que mesmo de raspão quase derrubou o
Gordo e a minha agilidade de pular outra vez não foi o suficiente para não
sentir o golpe. Meu sangue ferveu, e sabemos que com a cabeça quente fazemos
atos de verdadeira burrice. Esqueci o tamanho dele e parti para cima. Minha
reação foi tão surpreendente que Half não soube o que fazer, apenas tentou se
defender, pois nunca apareceu um louco capaz de enfrentá-lo. Foram quinze
segundos de golpes repetitivos para cima dele. Ele usava óculos, os mesmos que
voaram para longe. Sua camiseta também rasgou. Não se bate em homem de óculos,
mas aquilo não era homem e sim um animal, uma fera ferida. Quando ele se deu
por conta do que estava acontecendo e viu seus óculos quebrados no chão, ele
acordou e pareceu o incrível Hulk. Foi ai que os demais também saíram do estado
de choque e entraram na parada para apartar. Sete dos meus amigos se agarraram
nele e ele os arrastava pela ruazinha do clube enquanto o Pacheco, infelizmente
já falecido, me puxava pelo braço gritando:
– Vem seu louco, vem.
Eu não sei até hoje porque eu queria mais
briga, mas acredito, que se não fosse pelo Pacheco e outros sete amigos, eu não
estaria aqui contando esta história. Não me orgulho do que fiz, mas foi questão
de honra e sobrevivência e claro, burrice, pois naquela época, eu corria mais
do que qualquer um da turma em estado natural, imagina apavorado.
Dias depois, Half que já tinha me jurado de
morte, voltou a ser meu amigo. Afinal, minhas porradas não mexeram com a
estrutura dele, e é melhor óculos quebrados do que ossos, os meus é claro.
Quanto as roupas, ficou tudo explicado pelos
outros integrantes e o Elefante Branco, por motivos óbvios, sumiu do clube.
Por causa dos meus quinze segundos de glória
fui lembrando por um bom tempo como o cara, ou o maluco, que enfrentou o
“Aralf”.
Caro Half, se tu leres isto e um dia nos encontrarmos, lembre-se que ficamos amigos, OK?