Início de ano! É nesta
época que os jovens se apresentam para o serviço militar. A partir daí
começarão muitas aventuras.
No meu caso a experiência
e aventura não foram tantas. O que eu tenho é pouco para contar.
Eu sempre achei que
servir ao exército deveria ser vocação e não obrigação. Porém, neste país
algumas obrigações são tão esdrúxulas que nem vale a pena comentar. Eu não sei
como é hoje, pois nunca mais me informei sobre o assunto e a questão exército
para mim ficou para trás há anos. Veja bem, eu não sou contra a carreira
militar, muito pelo contrário. Só acho que, como qualquer outra, é uma carreira
que é preciso ter vontade de seguir e não ser obrigado.
Bom, voltando ao meu
caso, quando eu me alistei na junta militar, mediram a minha altura e peso e
preenchi uma ficha. A partir daí marcaram minha apresentação em um quartel de
Porto Alegre, o 18º regimento, conhecido como dezoitão, as 7h00 de um dia
específico. Naquela época era muito difícil escapar do exército, ainda mais que
vivíamos sob o regime militar. E para mim, que não queria, era a mesma coisa
que perder um ano. Perto da data da apresentação, eu consegui marcar uma
consulta com um médico amigo da família, o Dr. Ricardo, que era major do
exército.
No dia da consulta...
– Pois bem guri. Não
queres servir, então. O que tu tens?
– Nada.
– Bah! Os caras querem
escapar, mas não tem nada. Eu sou médico e não mágico. Tira a camisa para eu te
examinar – ele falou rindo junto com o assistente.
Mal tirei a camisa ele
exclamou:
– Tem sim! Olha só – e
fez anotações em dois papéis de receita e continuou – no dia da apresentação entregarás este para sargento Breno, ele tem um bigodão, é só perguntar por ele, e este tu
entregas para o médico que te examinar lá.
Eu olhei o papel que
era para entregar para o médico e estava atestado que eu tinha escoliose
torácica lombar. Como eu era muito jovem e não tinha acesso a informação que
existe hoje eu achei que era grave e nem quis olhar o segundo papel. Vai saber
se o sargento Breno não era um agente funerário nas horas de folga.
Chegando o dia, conforme
eu ia me aproximando, os soldados que faziam a guarda iam rindo tipo “lá vem
mais uma vítima”.
– Eu quero falar com o
sargento Breno.
– Pois não. Segue reto
até aquela rua e vira a direita. No pavilhão 1, pede por ele.
Foi só falar no
sargento que os risinhos pararam e a seriedade tomou conta dos pracinhas. No
caminho eu via outros soldados tirando o capim entre os paralelepípedos* sob o sol escaldante. Eu nunca entendi tamanha sacanagem, e mais do
que nunca, não queria fazer parte daquilo.
Mesmo sofrendo, os
caras olhavam para mim e riam. Como já tinha descoberto as palavras mágicas eu
disse:
– Estou procurando o
sargento Breno.
– Segue reto e ...
Eu já sabia o caminho,
mas queria parar com as risadinhas.
Quando cheguei ao
pavilhão, bati na porta e um cabo me atendeu. Pedi pelo sargento. Esperei alguns
minutos e me apareceu um homem de mais ou menos 30 anos.
– Pois não!
– O Sr. é o sargento
Breno? – Cadê o bigode? Pensei. Achei que era o Breno errado e que tinha me
lascado.
– Sim. Sou eu. O que
deseja?
Como eu não tinha nada
mais a perder...
– O Dr. Ricardo mandou
lhe entregar isto.
– Ah sim! Por que não
disseste antes.
Ele leu o bilhete e chamou o cabo que me atendeu. O soldado me conduziu até um ginásio, que tinha uma fila quilométrica para entrar. Entramos direto e ele me levou
até uma mesa onde tinha outros sargentos e cabos.
– Este é do sargento
Breno. Ele disse que é para levar para o Dr. Campa – disse ele.
– Ok. Deixe-o ali que
já vamos chamá-lo.
Aí o jeito era esperar.
No ginásio havia umas
dez mesas iguais aquela e o contorno estava cheio de recrutas como eu, que
aguardavam a vez de serem chamado. Eles iam chamando, o recruta se apresentava
e voltava para o lugar.
Então, um recruta
metido a esperto puxou um cigarro e começou a fumar. Não demorou muito...
– É proibido fumar aqui
– disse um sargento de uma das mesas.
E o recruta nada.
– Eu já disse que é
proibido fumar aqui – repetiu o sargento – apaga esta porcaria.
– Porcaria nada! É Minister
custa 10 pilas*¹.
Os sargentos se olharam
e reprovaram, mas até acharam graça e depois o ignoraram.
Logo depois, entrou no
ginásio um outro sargento fumando e nosso amigo engraçadinho o chamou...
– Pois não!
– É proibido fumar
aqui, apaga o cigarro.
Todos os sargentos
começaram a rir e o chamaram de engraçadinho.
– Pega a ficha dele.
Qual o teu nome?
– Paulo César Spindola,
seu criado – respondeu com arrogância.
O que aconteceu com ele
eu não sei, mas separaram a ficha dele para algum castigo. Certamente iria
servir e já começaria detido por causas das gracinhas.
Quando eu estava
ficando agoniado porque não me chamavam, um cabo chamou uma lista com meu nome
incluso. Fomos para o pavilhão onde encontrei o sargento Breno e chagando lá
ouvi o Dr. Campa dizer:
– Bah! Já tem três.
E um é do Ricardo.
– O do Ricardo é meu –
disse o sargento Breno.
– Tu hein? Não vales
nada – e todos eles riram.
– Tirem a roupa disse o
doutor.
Neste instante passou
um colega de colégio. Como ele era um ano mais velho, já estava servindo. Logo,
começou a zoar comigo. As autoridades presentes nem ligavam. Eles próprios curtiam com a cara da gente.
– Alguém tem alguma
coisa que o impeça de servir? – perguntou o doutor.
– Eu – respondi
mostrando a ele a outra cartinha.
– Ah sim. Passa para
cá, pode se vestir e vocês dois aí também – apontou para os outros dois que
certamente tinham um Dr. Ricardo na vida deles.
Enquanto eu me vestia,
o meu colega passou de novo e disse com ar de decepção.
– Ele sobrou!
Desta vez foi eu quem
riu, mas discretamente.
Fomos levados para uma
área sem sombra a espera do documento final. Isto já era perto do meio dia e a
fome e a sede apertavam. Então trouxeram o lanchinho. Era um balaio de pão com
manteiga e um panelão de Ki-suco*² aguado. A fome e a sede passaram na hora.
Quando eu achava que
minha aventura estava acabando vi outra cena inusitada. Um cara, que como eu
tinha escapado, estava chorando encostado no muro.
Aquele sargento fumante
estava por ali, o viu e o reconheceu.
– Ô cara! Como vai tua
família? Está triste. Tu escapaste.
– Pois é! Eu queria
servir!
– Tu queres servir?
Espera aí.
O sargento demorou
alguns minutos e quando retornou falou para que ele entrasse. O carinha, cujo
nome eu não sei, abriu um sorriso e entrou.
Aí eu penso: Eu não
queria servir e tive que cavar uma situação para escapar. O outro queria, não
foi escolhido e cavou um situação para entrar. Vai entender!
Esta é a única aventura
sobre exército que posso contar. Posso garantir para vocês que é plenamente o
suficiente e não tenho e nunca tive vontade de passar por outra.
* Pedras
que formavam o calçamento das ruas.
*¹ Apelido
na época do Cruzeiro. O salário mínimo era Cr$ 1.106,40.
*² Suco
em pó solúvel em água, um Tang piorado.