–
Bom dia! Pode entrar.
–
Obrigado. Bom dia para o senhor também.
–
Sente-se.
–
Ué? Não seria deitar?
–
Não! Isto é pouco usado nos dias de hoje. Mas, fique a vontade. É a primeira
vez?
–
Aqui, sim.
–
Não – risos – isto eu sei. É a primeira vez que faz análise?
-Ah!
Faço isto todo o dia.
–
Como assim?
–
Sou analista de sistemas.
–
Não! Análise com psicanalista.
–
Ah sim! Primeira vez.
–
Como está se sentindo?
–
Mal, né? Caso contrário não estaria aqui
gastando R$ 200,00 por 50 minutos.
–
OK! Qual o seu problema? O que o traz aqui?
–
Minha vizinha.
–
O que tem ela?
–
Ela se acha uma boba.
–
E?
–
Não a acho uma boba.
–
O que então?
–
Não sei. O psicanalista é o senhor.
–
Mas eu não a conheço.
–
Devia.
–
Por quê?
–
Ela é doce, inteligente, tem charme e é bonita, mas isto é um detalhe.
–
A beleza?
–
Sim.
–
Por quê?
–
Porque sua beleza interior é a melhor qualidade.
–
Mas, isto não é motivo para trazê-lo aqui , é?
–
É! Ela está sempre distante.
–
Vocês não se veem, não conversam?
–
Depende. Tem vezes que nos vemos bastante, mas, já ficamos quase duas semanas
sem nos ver. Mas, falamos no telefone e no Chat. Neste, nós falamos frequente.
–
E o que conversam?
–
De tudo um pouco.
–
Sobre vocês?
–
É difícil. Ela não diz as coisas que preciso saber. Vive se esquivando.
–
Falou isto a ela?
–
Sim. Mas, no ponto de vista dela, ela responde.
–
E?
–
Continuo sem respostas.
–
Entendo. Ai, veio aqui.
–
É. Estou enfrentando uma crise de identidade.
–
Crise de identidade ou paixão.
–
Que isto doutor? Paixão é coisa de adolescente.
–
E com quantos anos está se sentindo agora?
–
Ah! Uns 15 ou 16.
–
Entendo. E ela gosta de você?
–
As vezes acho que sim, as vezes acho que não, é o tal do bloqueio.
–
Bloqueio?
–
Sim. Uma espécie de muro que nos separa. Não sei o que tem do outro lado e ela
não me diz.
–
Hummm.
–
Dois.
–
Que?
–
Nada não. Uma brincadeira nossa.
–
Bom, fale mais sobre ela.
–
Ficou interessando , né?
–
Nada disso. Preciso saber para poder te ajudar.
–
Pois é! São coisas que ela diz que me confundem.
–
O que por exemplo?
–
O tal do bloqueio. Que ela poderia estar melhor e eu estou envolvido nisto.
–
Como assim?
–
Vai passar dos 50 minutos.
–
Não tem problema, continue.
–
Eu não vou pagar, hein?
–
Fica frio, desembucha.
–
Bom. Um dia eu disse a ela que eu poderia estar melhor, me referindo a nossa
situação e ela disse a mesma coisa. Só não sei se é estar comigo ou que eu
poderia nunca ter aparecido.
–
Hummm.
–
Dois.
–
Vai começar?
–
Ups, desculpe.
–
Perguntou a ela sobre isto?
–
E o doutor acha que ela respondeu?
–
Que mais?
–
Ela também me disse para procurar uma princesa, que não poderia me dar o que
preciso porque não é livre.
–
E o que você disse?
–
Que já passei da idade de ser príncipe encantado que estou mais para sapo.
–
E sobre não ser livre?
–
Problemas pessoais, compromisso, trabalho, família.
–
Ela é casada?
–
Não. Mas, cuida dos irmãos.
–
E você?
–
Sou livre
–
Não. A respeito dos irmãos dela.
–
Eles são demais, umas figuras, divertidos, cheios de energia.
–
Ela sabe?
–
Acho que sim.
–
Ela disse mais alguma coisa?
–
Bem, quando eu disse que ela não sentia nada, meio que negou.
–
E isto é bom?
–
Devia ser se ela tivesse falado abertamente.
–
Explique.
–
Estávamos no Chat. Após eu falar, ou melhor escrever, ela respondeu que
realmente não dava para ter este tipo de conversa ali.
–
Você acha que ela tem razão?
–
Totalmente. Eu vivo dizendo isto a ela.
–
E ela?
–
Até então achava que dava.
–
E agora?
–
Não sei. Não falei mais com ela sobre este assunto.
–
Como ela lhe trata?
–
Apesar de fugir o tempo inteiro, eu vejo muito carinho em seus olhos.
–
Bom.
–
E certa vez, no Chat me chamou de amor.
–
E você?
–
Perguntei se era sacanagem ou sentimento.
–
E ela?
–
Falou : Nossa como tá quente. Será que vai chover?
–
Entendo. E o que gostaria de fazer?
–
Pegar um megafone e gritar para o mundo que a amo.
–
E por que não faz?
–
Ia ser o maior mico né Doutor?
–
Onde acha que poderia melhorar esta relação de vocês?
–
Talvez se tivéssemos um pouco mais de tempo só nosso, sem pressa de ir embora.
Sem pensar nos outros, sendo um pouquinho egoísta.
–
E ela?
–
Parece fugir disto.
–
O que mais aconteceu?
–
Certa vez rolou um beijo.
–
Beijo?
–
Sim. Beijo que ela diz ter sido roubado.
–
E foi?
–
Para mim não. Ele correspondeu, mas diz até hoje que não.
–
E como foi?
–
Foi leve, rápido, na verdade um pouco mais que um selinho, mas foi muito bom.
–
Por que tão rápido?
–
Era uma despedida, e tinha uma cidade inteira buzinando atrás.
–
E depois?
–
Foi ai que eu comecei a sentir um maior afastamento. Tão perto, mas tão longe.
–
Como?
–
Coisa nossa, deixa para lá.
–
E o que pensa em fazer?
–
As vezes tenho vontade de desaparecer, voltar para a minha ostra.
–
E por que não faz?
–
Porque ela me faz muita falta.
–
Já disse isto a ela?
–
Muitas vezes.
–
Mas, o relacionamento não progrediu?
–
Até que sim, saímos, trocamos carinhos, beijos e agimos como namorados.
–
E ela?
–
Falou que não estava preparada para se envolver.
–
E?
–
Eu disse que ela já estava envolvida.
–
E ela?
–
Falou: Nossa que quente, acho que hoje chove mesmo.
–
E você?
–
Vontade de sumir de novo.
–
Bem. O tempo terminou. Gostaria de dizer mais alguma coisa?
–
Sim.
–
Diga.
–
Bu “pro” mundo.
–
E o que exatamente quer dizer isto?
–
Quer dizer pensar em si não se preocupando com que os outros irão
pensar, ser livre, dar o grito de independência, amar sem se preocupar em
sofrer, arriscar ser feliz, querer ser feliz e não ter medo de não dar certo. É
aproveitar o momento bom porque, simplesmente, está bom. Não sofrer por
antecipação. Não desistir sem tentar.
–
Bom, quando voltas?
–
Vou pensar.
–
Até então.
Segundos
depois ...
–
Dona Cíntia por favor ligue para minha esposa.
Minutos
depois ...
–
Dr. Amauri! Sua esposa na linha 1.
–
Oi amor.
–
Agora é amor, Amauri, depois grosseria que me fez.
–
Querida , desculpe, acho que precisamos conversar, sair para dançar, ter
momentos mais nossos.
–
Puxa, você nunca falou assim antes.
–
Pois é, sempre tem a primeira vez.
–
Bom, podemos ir no sábado.
–
Não querida, podemos ir hoje.
–
Hoje? Mas, e os compromissos?
–
Ah querida,,, Bu “pro” mundo.
Fotografia
Fotógrafa: Fabrícia Santos
Criação: Claudio Chamun
Edição: Simone Disegna
Modelo: Eu, eu mesmo, mas sem Irene.
Fotografia
Fotógrafa: Fabrícia Santos
Criação: Claudio Chamun
Edição: Simone Disegna
Modelo: Eu, eu mesmo, mas sem Irene.