E tudo começou no trânsito

Chega o verão, e com ele as fortes chuvas que castigam as ruas da grande metrópole. Um acidente ocorre em uma importante avenida, e muito longe dali sente-se as conseqüências. O trânsito que em dia normal é complicado, neste dia é impraticável. O engarrafamento vai muito além da imaginação e distante do local do acidente. Ricardo, impaciente, não consegue ver o início da fila de automóveis, na qual está parado.

Em meio a buzinação e tanta indignação dos motoristas, ele consegue dar risadas ao lembrar-se da última piada contada por um colega de trabalho pouco antes de entrar no inferno rodoviário. Então, percebe que o carro ao lado está sendo conduzido por uma bela mulher. Ela repara nas risadas dele e sorri. Como nada anda, ele acha que o local é apropriado para um bom papo. Baixa o vidro e chama a atenção dela para que faça o mesmo. A chuva não está mais tão forte e permite que eles iniciem uma conversa. Após baixar o vidro, ela diz:
 – Você consegue rir no meio de tudo isto?

– Oi! No início eu até estava indignado, mas não adianta reclamar porque não vai mudar nada mesmo.

– Nisto você tem toda razão. O negócio é ficar escutando música.

– Ou conversando.

Ela sorri.

A chuva aperta.

– Precisamos fechar os vidros – disse ela.

– Antes me dê o número do seu telefone.

Ela dá. Eles fecham os vidros para que o banho da chuva gelada não complique ainda mais a situação.  Então, ele liga e ela atende sorrindo...

– Sabia que era você.

– Como você dá o número do seu telefone assim para um estranho?

– É mesmo. Foi impulso.

– E o seu nome? Qual é?

– Márcia. E o seu?

– Ricardo.

O papo vai fluindo e depois de algumas horas, apesar da chuva forte, o trânsito finalmente, parece andar. Escutam no rádio que onde a pista estava bloqueada o problema foi resolvido.

Então...

- Parece que vai andar – diz ele.

- É! Foi legal te conhecer.

- Mas vamos embora assim? Sem um único beijo?

- Você é rapidinho, hein? Nem te conheço – risos.

- Só um beijinho.

- Nesta chuva?

- Quer coisa melhor? – Ele insiste.

- Ok! Você venceu, mas só um.

Então ela pula para o lado do carona de seu carro, os dois se debruçam pela janela em plena chuva e se beijam.

Depois da despedida, eles percorrem lado a lado conforme o fluxo permite até chegar o ponto onde se perdem de vista.

Mais tarde, ele liga para dar boa noite.

– Oi – disse ele.

– Eu sabia que ia ligar de novo –  ela falou sorrindo.

– Sou tão previsível assim?

– Não. Eu que te chamei com o pensamento.

– Então queria que eu ligasse.

– Queria, mas não é para ficar convencido.

– Impossível – risos.

Eles conversam mais um pouco e se despedem.

O tempo passa...

Certo dia...

– Olha quem eu encontro no meu restaurante preferido – disse Márcia.

– Seu? Este é o meu restaurante preferido. Como que nunca te vi aqui antes?

– Este não é o meu horário. Eu almoço mais tarde. Hoje precisei sair mais cedo.

– Então vou ter que alterar meu horário de almoço – gargalhadas.

Tiveram outros encontros de almoço que foram facilitados por coincidências ou combinações.

– Alô.

– Oi. É a Márcia.

– Oi que surpresa de fim de tarde é esta?

– É que eu preciso ir no Shopping comprar um presente para uma criança e queria saber se você gostaria de ir comigo e depois fazermos um happy por lá mesmo.

– Eu topo.

– Está livre mesmo?

– Mesmo que não tivesse.

– Eu vou de carro porque de lá já vou embora. Quer uma carona?

– Bom, se você passa aqui na frente eu quero, mas na volta você me dá uma carona até o estacionamento onde está meu carro?

– Pode deixar!

Neste dia acontece o primeiro beijo. O envolvimento é iminente, mas Márcia parece estar com o freio puxado. Ela explica que tem muitos problemas pessoais para resolver, portanto não tem espaço para um relacionamento. Embora apaixonados, ela reprime os desejos enquanto ele expõe os seus.

A situação chega a um ponto que Ricardo não consegue mais suportar e cobra uma posição de Márcia. Ela, por sua vez, nunca lhe deu uma resposta. Porém, após uma viagem em visita aos parentes em outra cidade, Márcia, que embora tenha sentido muita falta de Ricardo, decidiu se afastar argumentando que não daria conta de um envolvimento devido seu trabalho, estudo e atividades extras. Ele respeitando a decisão dela, não a procurou mais.

Entretanto, certo dia, em um parque eles se veem a distância.  Imediatamente eles abrem um sorriso. Ela aperta o passo em direção a ele e lhe dá um forte abraço. Após, eles trocam um longo beijo.

Depois de fazerem um passeio, conversam em um dos carros e namoram como dois adolescentes.

Porém, mesmo com todo carinho e amor, Márcia mantém a decisão de não ter um compromisso. Apesar desta discordância, eles continuam se encontrando.

Em outro encontro, não suportando mais a situação, Ricardo resolve por fim a relação.

No dia seguinte ele é surpreendido com um convite de Márcia para viajarem juntos no próximo feriado. Não resistindo à proposta tentadora, ele aceita.

Vão para uma praia paradisíaca e se amam como dois amantes alucinados. Voltam mais unidos e mais necessitados um do outro. Porém, as indecisões de Márcia continuam, e com isto, a insegurança de Ricardo.

Ricardo recebe uma proposta de trabalho. Aceitando trabalhar em outra empresa, ele precisa se mudar.

Eles se despedem com lágrimas nos olhos.

Logo que chega, ele liga para dizer que está bem e conversam por um longo tempo.

Apesar de ser uma cidade próxima, eles não se veem mais.

O tempo vai passando e o contato termina.

Ricardo se envolve com outra moça e muda de emprego, mas permanece na mesma cidade. O relacionamento fica sério. Porém, ele não consegue se apaixonar. Com o seu coração sempre apertado, ele trata Beatriz com todo carinho, mas ela percebe que falta algo.

No outro lado, Marcia nunca se sentiu tão infeliz. Os poucos momentos que ela passou com Ricardo lhe fazem muita falta. Então, ela decide procurar por ele. No entanto, eles haviam perdido o contato. Ricardo trocou o número do telefone e não guardou o dela para não cair em tentação.

Ela liga para a empresa que Ricardo trabalhava e tem a notícia que ele saiu. A telefonista não dá outras informações, mas deixa escapar que ele está na cidade. Porém, esta informação nada adianta para Márcia.

Ricardo tem aversão a redes sociais, logo não tinha como Márcia encontrá-lo, principalmente porque, devido ao resguardo que ela manteve, eles não tiveram vida social, ou seja, amigos envolvidos.

Ricardo abre o coração para Beatriz, que fica ressentida, mas o incentiva a ir atrás de Márcia. Ele não vai porque sabe que Márcia é irredutível. Eles namoram por mais algum tempo, mas a Beatriz não aguenta a ausência psicológica de Ricardo e termina o relacionamento.

Marcia percebe que pode ter jogado o amor de sua vida fora por puro capricho ou medo de arriscar.

Certo dia, na volta do trabalho, percorrendo a avenida onde se conheceram, ela avista um outdoor de um filme de época onde os protagonistas se beijavam tal e qual foi o primeiro beijo deles.

Os olhos de Márcia brilharam novamente e ela teve uma grande ideia.

Mandou colocar um outdoor na principal avenida da cidade para aonde Ricardo tinha se mudado com a foto que viu e a frase:

“Ricardo: Eu acordei! Se ainda quiser tentar, irei todo sábado almoçar em nosso restaurante preferido. Eu te amo. Márcia”.

É claro que, para quem passa de carro, a frase é muito grande para ler, mas ela sabia que se ele visse a foto daria um jeito de passar novamente ou parar. Assim se ainda estivesse a fim de tentar entraria em contato.

No primeiro sábado ela ficou duas horas no restaurante e ele não apareceu. Porém, no segundo ele aparece sorridente. Ela levanta, corre em sua direção e eles trocam um delicioso beijo e um abraço carinhoso.

– Ontem, quando vi aquela placa eu não entendi nada – disse ele.

– Apenas descobri que não consigo viver sem você.

Ficaram namorando nos fins de semana durante um bom tempo.

Depois, Márcia abriu mão do emprego e foi morar com ele.