Mate quente e um bagual

Quem me conhece sabe que há anos atrás eu fui transferido para a maior cidade brasileira, São Paulo. Sabe também, que não sou mais gaúcho por falta de espaço. Nada contra os paulistas, tão pouco contra os nascidos em outros estados. Apenas que muitas pessoas têm suas raízes e eu tenho as minhas. Apesar de não gostar de chimarrão e de não usar bombachas, tenho orgulho de ser gaúcho, mas que barbaridade tchê.

Bueno! Acontece que eu comecei a sentir o peso da transferência quando sai do hotel pago pela empresa e aluguei um AP tri legal¹¹. Até aí nada de mais, né? Porém, foi nesta data que eu transferi o meu carro para Sampa. Assim, peguei minha primeira tranqueira. Ah! Engarrafamento é como chamam aqui. Bom, faz parte, precisava me adaptar. Apesar de ser Porto Alegrense dos bons eu fui me acostumando.

Então¹², então não, logo, certo dia ensolarado eu fui almoçar no shopping. Na volta fui surpreendido por uma chuvarada repentina, coisa muito normal em Sampa. Então, putz de novo não – respira fundo – aí eu tive que comprar meu primeiro guarda-chuva paulistano. O tempo foi passando e por política da empresa trocaram o número do meu telefone para um da área 011. Confesso que perdi momentaneamente minha identidade, mas me recuperei logo. Afinal é só um número.

Até casar com uma paulista eu casei, e continuo casado com minha prenda.¹³ 

O tempo foi passando e eu voltei para minha terrinha. Que saudade! Frio de renguear cusco²¹ e chuva no inverno para poder acender a lareira e beber um vinhozinho gostoso, as praias retas sem a geografia dos morros nem baías e com o vento Nordestão²². Não há lugar melhor.

Porém, quem disse que a vida é justa?

Cá estou em São Paulo novamente e revivendo toda a adaptação.

Bah! Que loucura! Continua tudo igualzinho. E pior, justamente no ano em que chego o Corinthians vai ser campeão brasileiro, quer dizer já é. E aqui 60% da cidade são Corintianos. Logo, quando tem jogo, ligam a todo volume o hino do clube e deixam tocar insistentemente como se fosse uma fita em loop²³. Aí, a música fica na cabeça e me pego assoviando.

Porra meu! Porra meu? A la pucha³¹, porra meu um escambal.

E que falta acontecer agora? Torcer "pru Curintia"?

Porra meu! Arghhhh, quer dizer puxa vida, é Corinthians, mas isto não! Sou Colorado Internacional e vou morrer tri colorado.

Entretanto, o ponto fundamental foi quando eu já estava me acostumando com tudo, até mesmo com o trânsito esgualepado³², a temperatura baixou dos 12ºC e eu senti um friozinho. Aí me olhei no espelho e disse: Mas bah tchê! Larga de frescura. Quero um mate quente e um bagual³³ que vou para Porto Alegre e tchau.

11 – AP: apartamento. Tri: três vezes mais, gíria para muito. Legal: gíria para bacana, bonito porque o original é respectivo a Lei. Ou seja, AP tri legal é apartamento muito bacana ou muito bom.  

12 – Então: em São Paulo a maioria das pessoas começa a responder uma pergunta com então.

13 – Prenda: a mulher do gaúcho. Mulher bonita, com bons dotes, prendada e também prêmio.

21 – Renguear: deixar manco. Cusco: cão pequeno, vira-latas. Frio de renguear cusco: frio de deixar o vira-latas manco, ou seja, muito frio.

22 – Nordestão: Vento que vem do nordeste. É um vento muito forte que tem quase todos os dias do verão nas praias gaúchas.  

23 – Loop: uma gíria de Informática para dizer que o programa entrou em um ciclo interminável. Vêm do inglês, significa laço.

31 – A la pucha: exprime admiração, espanto.

32 – Esgualepado: vivente meio desarrumado, desengonçado, liquidado por causa da pinga ou da peleia. Porém, é usado para dizer que algo está muito ruim.

33 – Bagual: Cavalo manso que se tornou selvagem. Potro recém-domado, arisco. Reprodutor, animal não castrado. Também usando para dizer que alguém é o cara. Ex: Aquele cara é bagual.