segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Íncubo

            

            Hermes, um homem de meia idade, bem apresentando e de boa educação, entra em uma cafeteria tradicional e se direciona para o balcão quando outro homem, mais jovem, se vira repentinamente com sua xícara de café e esbarra nele. 
            – Porra! Não olha por onde anda – fala Jackson.
            – Foi você quem virou repentinamente – responde Hermes.
            Jackson não admite o erro e inicia uma discussão. Porém, uma bela moça levanta-se e toma partido de Hermes. 
– Deixa de ser grosso. Foi você que esbarrou nele.
– Ah! Ta bom. Agora este velhote tem advogada de defesa.
Os funcionários da loja intervêm e retiram Jackson da cafeteria, que sai debochando e rindo. Logo depois que ele sai...
– Posso pagar um café para te agradecer? – diz Hermes.
– Claro – responde Bartira – sempre é bom conversar com alguém educado.
A conversa parece bem interessante porque passam alguns minutos e eles trocam telefones. Ao sair da cafeteria, eles se despedem e cada um toma um sentido da rua. Ao passar por um pequeno beco Bartira é puxada para dentro.
– Ai que susto Jackson – disse ela – tá maluco?
– Deixa de ser fresca. E aí como foi?
– Ele parece ter ficado interessado, acho que vai ser mole.
– Vai sim, eu estudei este cara por muito tempo. É viúvo e sem filhos. Leva uma vida discreta, poucos empregados e apenas dois seguranças na entrada da casa. Seguiremos o nosso plano e ficaremos milionários. Porém, não poderemos arriscar. Teremos que evitar o contato físico por enquanto.
– Ai amor, e eu vou ficar na saudade? Só aquele velhote?
–Te acalma, mulher. Vai ter que te controlar. Nosso futuro depende do teu desempenho. Nada de contato por telefone. Só por e-mail. Telefone é perigoso.
Hermes sai com Bartira algumas vezes até que a pede em casamento e ela aceita. Depois de pouco tempo do casamento os amantes voltam a se encontrar.
– E aí? Quando vai ser?
– Calma Bartira, é preciso planejar. Serás a primeira suspeita se não fizermos direito.
– Não é você que tem que aguentar aquele velho.
– Vamos continuar com o plano. Logo logo seremos ricos.
O plano era matar Hermes para a Bartira herdar toda a fortuna e depois se unir com Jackson. Porém, o plano precisa ser adiado porque Hermes precisa fazer uma viagem à África...
– Querida, preciso viajar a negócios. E desta vez não será uma boa você ir comigo?
– Graças a Deus – pensa ela – Por que, meu amor?
– Vou para a África por duas semanas, muitos negócios e reuniões, assim não terei tempo para você.
– Tudo bem querido, duas semanas passam logo, mas eu te levo no aeroporto.
Assim que a aeronave decola, ela compra um telefone e liga para Jackson...
– Tá louca mulher. Eu disse nada de telefone.
– Não reparou no número seu lesado – risos – acabei de comprar. Depois eu jogo fora.
– Então, ele foi mesmo.
– Sim, vou dar folga para os empregados de dentro de casa. Você entra pelo porta-malas. Não posso dispensar os seguranças, se não, ele ficará sabendo e pode desconfiar.
– Fez o dever de casa direitinho, hein?
– Entrei nesta para ganhar meu amor, não fiquei aturando aquele velho para nada. Esta noite vamos nos divertir na cama dele. E você poderá estudar a casa.
– Perfeito.
Tudo acontece como planejado. Eles se divertem e Jackson estuda a casa.
– É uma casa segura – diz ele – sem ajuda de dentro não dá para entrar. Precisaremos atacar na rua para não dar na vista.
– Não! De jeito nenhum. Justamente no óbvio que vamos atuar.
– Ta louca mulher.
– Nada! Seria tão óbvio o assassino ter ajuda de dentro que a polícia pode não acreditar.
– Sei não. Muito arriscado.
– Confia em mim. No dia que ele chegar, vou dizer que estou com dor de cabeça. Então vou pedir para chamar uma pizza. O Hermes sempre chama da mesma pizzaria. Você vai ter que dar um jeito de interceptar o motoboy. Aí fica fácil. Você rende os dois seguranças e entra na casa. Render os funcionários vai ser mole. A noite só a governanta e a cozinheira estarão. Apenas elas dormem no emprego. Não posso dispensá-las de novo. Até mesmo porque é bom que elas estejam em casa.  
– E o velho?
– Vai estar ocupado – risos.
– E a dor de cabeça, sua louca? – Gargalhadas
– Tomei uma aspirina – mais gargalhadas.
– Você não vale nada.
– Não esquece as coisas extras. Tem que ser perfeito.
Hermes retorna e o plano deles está indo de vento em popa. Jackson consegue interceptar o motoboy e o tranca no porta-malas de um carro roubado. Com a moto ele vai à casa de Hermes e rende os seguranças e os prende com abraçadeiras flexíveis de nylon para cabos elétricos. Ao sair da garagem, ele troca de roupa e coloca um tênis com um número maior e vai até o quarto da governanta. Usando meia no rosto ele a rende facilmente, deixando a presa. Após, ele troca de roupa novamente, coloca perfume e faz o mesmo com a cozinheira. Então ele vai ao quarto do casal e os surpreende na cama e tira na máscara...
– Que está acontecendo aqui? – diz Hermes – Eu me lembro de você.
– Pois é velhote. Sua hora chegou. Para deixar de ser burro.
– O que você quer?
– Seu dinheiro e sua mulher – Jackson com a arma em punho.  
– Eu te dou dinheiro – Hermes se levanta.
– Fica parado ai, velhote.
– Se você vai me matar por que tenho que ficar parado?
– Então vem babaca.
Hermes investe contra Jackson, que atira em seu peito e Hermes cai agonizante.
Para completar o teatro, Bartira se atira no chão e abraça Hermes ensanguentado.
– Pegue as coisas, não se esqueça de nada. Leve o carro que está na garagem e só tire as luvas depois que se livrar de tudo.
– Pode deixar minha gata. Eu vou queimar tudo.
– Quando Jackson vira as costas, em seu último suspiro Hermes diz:
– Eu sei de tudo e voltarei – e depois morre.
– Bartira não entende muito bem, mas espera dez minutos e liga para o socorro e para polícia.
O socorro nada pode fazer por Hermes, mas atende Bartira que simula um estado de choque. A polícia interroga os funcionários que dão a descrição dos supostos bandidos. Os peritos constataram marcas de três calçados diferentes em alguns pontos da casa e que Hermes teria ido em direção ao seu executor antes de ser atingido. Pelo relato dos funcionários e do motoboy encontrado, a polícia conclui que uma quadrilha teria invadido a casa do milionário, que teria sido morto por reagir. A reação de Hermes foi confirmada por Bartira no dia seguinte quando se mostrou mais calma após o sepultamento. Logo, eles deram o caso como latrocínio e procuram por três criminosos. No inventário ela tem algumas surpresas. Durante a viagem, Hermes vendeu a empresa e os bens por uma quantia extraordinária e colocou o dinheiro em uma conta no exterior cujos número e senha não deixou com ninguém. Ela descobre também que terá que deixar a casa em um mês. Ela se desespera e liga para o amante...
– Bartira! Não combinamos que íamos deixar as coisas esfriarem?
– Deu tudo errado. Deu tudo errado.
– Calma mulher, o plano foi perfeito. A polícia procura por três suspeitos. As provas foram destruídas. Eles não têm como pegar a gente.
– Não é isto. Ele sumiu com o dinheiro. Não temos nada. Nem o carro.
– Como assim?
Ela explica...
– Que filho da puta.
– O que faremos agora?
– Pegue tudo que puder; joias, dinheiro, valores, isto deve ser tudo seu e teremos que planejar outro golpe.
Então, eles se encontram e vão para um motel na estrada um pouco longe da cidade.
– Que merda! – diz ela – tanto sacrifício para nada.
– Muito azar, mas por que ele faria isto?
– Não sei. Talvez fosse me contar e não demos tempo.
– Bom. Ganha-se umas e perde-se outras. Teremos que atacar de novo. A nossa aposentadoria não foi desta vez. Vem cá, vamos tirar o atraso.
– Não sei como você ainda consegue.
– Com você eu consigo sempre.
Depois de algum tempo...
– Nossa! Você estava igual a ele.
– Igual! Por que acha isto?
– Você não é assim. Estava muito diferente. Desculpe, mas parecia o Hermes.
– Talvez – pausa – porque eu seja ele.
– Para com isto, Jackson! Que palhaçada é esta?
– Eu sei de tudo e voltarei! Lembra que eu te disse isto antes de morrer?
– Não pode ser. Você está de sacanagem comigo.
– Não querida, ele não poderia ter escutado porque já tinha saído.
– Como? Como ele poderia estar no seu corpo, Jackson? Não posso acreditar nisto. E pare de me olhar deste jeito como se fosse o Hermes.  
– Eu já disse que sou o Hermes.
– Isto não existe.
Ele dá um sorriso irônico e diz:
– Está lembrada da viagem que fiz para a África? 
– Claro, ficou duas semanas fora. Quer dizer, ele ficou.
– Sim, uma semana na África e outra na Europa. Veja as passagens que eu tinha guardado em um armário do aeroporto antes de ser assassinando.
Ela confere e apavorada diz:
– Para com isto Jackson. Como você conseguiu isto?
Ele continua explicando...
– Pouco antes de te conhecer eu já tinha ido a África e lá conheci um feiticeiro que me disse que eu ia morrer a não ser que eu o escutasse. Eu não dei bola, até o tratei mal, mas ao me afastar ele disse que ao voltar eu receberia uma notícia ruim. E de fato, descobri um câncer em estado avançado no dia que te conheci. Não havia mais o que fazer. Os médicos me deram apenas seis meses.  Ao te conhecer eu senti uma força positiva, mas logo descobri o teu amante e investiguei sobre vocês, mas o que adiantaria eu fazer alguma coisa se ia morrer mesmo. Então, me lembrei do que o feiticeiro falou e fui até ele. Foi surpreendente. Ele me disse que poderia fazer um feitiço para eu viver em outro corpo, mas eu teria que ser assassinado por esta pessoa. A sorte sorriu para mim. Porém, eu, mesmo no corpo do teu amante, não poderia ser refém do dinheiro que você herdaria. Minha empresa era muito cobiçada na Europa. Eu já havia recebido várias ofertas para vender. Aí, procurei um dos investidores e fechei negócio com a condição de que meus bens pessoais entrassem no negócio. Eles não entenderam muito bem, mas queriam muito a empresa, logo, toparam. Eu deixei todo o dinheiro em uma conta da Suíça. Assim, eu só precisaria ser morto. Eu só não sabia quando, mas tinha que ser logo, pois eu não tinha muito tempo. Desconfiei que seria na minha volta. E de fato foi. Só achei que teu namoradinho seria burro de me matar na cama. Como que a polícia veria isto? Eu não queria ir para a prisão no corpo dele, né? Seria irônico. Por isto, investi contra ele. Depois foi só esperar a primeira lua cheia. E isto aconteceu há quase uma hora.
– E agora? O que vai fazer comigo?
– Nada. Não posso fazer nada. A polícia não acreditaria, né? Você mal acredita.
– E o que acontece agora?
– Eu vou viver de rendas e te procuro de vez em quando para matar a saudade – risos.
– Vou ser tua escrava para toda vida?
– É! Acho que vai. E não tente me matar. Eu não gostaria de ter que viver em um corpo de mulher. Se bem que seria uma experiência interessante – mais risos.
– E eu vou viver de quê?
– É problema meu? Não, né? Porém, você tem duas escolhas. Segue a sua vida e se vira com os teus golpezinhos de merda ou mora em uma fazenda que eu vou comprar para eu te visitar de vez em quando. Terás o suficiente para viver, nada mais do que isto e se aprontar eu te coloco para correr.
– Acho que não tenho escolha.
– É! Acho que não.
– Maldito Jackon. Sempre o achei meio burro mesmo.
– É querida! Parece que nós dois ficamos presos a ele – gargalhadas. 

10 comentários:

  1. Nossa! o Vodun acreditava que isso acontecia.
    Mas foi mais praticado nos EUA. Fora do continente africano.
    A etnia americana, muitos morreram por causa
    desse rito.
    No Brasil alguns poderosos nesse ritual davam as regras no Brasil colônia.
    No fim ela até que se deu bem... Gostei de ler...
    Boa continuação de semana.

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  2. Amigo que máximo essa historia estou precisando passar mais
    neste cantinho historia maravilhosa arrasou como sempre
    Meu canal: https://www.youtube.com/watch?v=apP6eHn5PlI
    Blog:http://arrasandonobatomvermelho.blogspot.com.br

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  3. Amei esse post,
    pois foi de grande interesse cultural para mim,
    não conhecia bem esses fatos!
    Bjos e parabéns!
    http://www.elianedelacerda.com

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  4. Essa é a diferença do "burro" e do "inteligente", e no meio dos dois, um cara "HIPER INTELIGENTE" que consegue contar uma história que tinha tudo p/ser um drama, e que no final se torna até uma comédia!
    Vc é demaisssssssssss!
    Estou p/ir em SAMPA, vou levar um vidro das redondinhas p/vc ok? kkkk
    Bjssss amigo e um belo FDS p/vcs

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  5. Uma história emocionante, daria um ótimo filme policial, Cláudio abraços.

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  6. Oie Claudio =)

    Gostei do conto. Adoro histórias com humor inteligente, e esse conto tem uma boa dose disso.
    Parabéns!

    Beijos;***

    Ane Reis.
    mydearlibrary | Livros, divagações e outras histórias...
    @mydearlibrary

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  7. Tenho que dizer que quando comecei a ler essa história não esperava pela reviravolta do final, ficou muito boa mesmo, parabéns!

    aguardandoocamaleao.blogspot.com

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  8. Excelente! Um final completamente inesperado. ADOREI!
    _________

    Obrigada pelos parabéns à minha "CASA".
    Beijinhos
    MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

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  9. Oi amigo, desculpe a ausência, aos poucos estou voltando.
    Te ofereço dois presentes, fique à vontade para pegá-los se quiser:
    http://arionetorres.blogspot.com.br/2016/02/o-jardim-da-vida.html

    http://cantinho-dos-baixinhos.blogspot.com.br/2016/02/pinturas-de-criancas-4-

    fevereiro.html

    Tenha uma excelente semana, abraços e fique com Deus!!

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  10. Vim pela curiosidade e fiquei presa na história (muito boa) que escreveu.Parabéns!
    :-)

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