sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Karaokecídio



Claudinho era um rapaz pacato e tudo que procurava era sossego. Saiu da cidade grande para fugir do barulho. Assim foi para a sua casa de praia cujo local era tranquilo e silencioso. Tudo que ele queria era ouvir o barulho do mar e o canto dos passarinhos.
Mas, certo dia, não de verão, coisas estranhas começaram a acontecer.  Claudinho foi acordado por seus vizinhos barulhentos buzinando exageradamente as 7h00 da manhã, em caravana, para avisar todos conhecidos e não conhecidos que estavam chegando à praia. Quando ele achou que ia voltar a dormir, iniciou-se a gritaria dos poluidores sonoros seguido de “bateção” de portas dos carros e porta-malas.
Como seu merecido sono foi arruinando, Claudinho levantou-se e foi tomar café. Antes do primeiro gole, passou em sua rua um caminhão de político pedindo votos com uma paródia ridícula e um volume ensurdecedor. Nem bem recuperado do susto, outro político resolveu dar o ar de sua graça com uma musiquinha tão imbecil como a do seu concorrente e um volume competidor.
Pior ainda era quando um caminhão trafegava em frente a sua casa e outro na rua de trás fazendo com que suas “melodias criativas” se encontrassem em cima dele.
De meia em meia hora passavam candidatos a alguma coisa chamando atenção dos moradores sem terem noção que em vez de votos eles poderiam levar pedradas. Entretanto, nem este intervalo dava-lhe o único beneficio que queria, o silêncio. Pois, os recém-chegados abriram o porta-malas de um dos carros e ligaram o som, e aquilo que curtiam como música era um Funk da pior qualidade.
O dia foi passando e aquele barulho ia martelando a cabeça do Claudinho.
Até que enfim, por um milagre, o silêncio.
Então ele pegou um livro para curtir aquele momento raro. Mas, nem chegou na metade da primeira página, outro vizinho, repetindo o que fazia todos os dias, soltou seus cães que sempre vinham até a cerca da casa do Claudinho para provocar os dele. Com isto, ele já estava até acostumado, mas este dia parecia estar tudo diferente. Os latidos eram de tudo que é jeito e adentravam sua moradia como se fosse uma guerra invadindo seus tímpanos. Na mesma hora ele pensou em soltar os seus cães para liquidar os invasores. Os audaciosos eram pequeninos e somente dois contras os três “cavalos” dele, logo não seriam páreo.  Mas, depois ele pensou melhor:
- Tadinhos, eles não tem culpa da imbecilidade dos donos. E ainda, os meus poderiam morrer engasgados.
Os pestinhas percebendo o perigo foram embora e mais um momento de serenidade se instalou no ambiente.
Tudo parecia que o dia ia terminar bem. Os políticos deram uma trégua, os cães provocadores foram presos, e os “funkeiros” pareciam ter perdido a euforia.
Mas, de repente, as 21h00 mais uma invasão sonora. Desta vez foram gritos assustadores. Depois de tentar descobrir quem estava morrendo, Claudinho percebeu que eram os “ex-funkeiros” que resolveram arrepiar no karaokê.
Ele não sabia o que era pior: os políticos, a briga de cães, a buzinação ou esta coisa bizarra e grotesca que estava acontecendo naquele momento.
Ele nunca tinha visto tamanha desafinação e gritaria. Pensou:
- Nossa! Eles estão fazendo tudo, menos cantando. Até uma gralha fanha faz melhor.
O tempo foi passando e o fôlego dos agressores ao meio ambiente não parava. Quanto mais desafinavam, mais continuavam a cantar, ou melhor, gritar.
Após quatro horas de tortura e já deitado tentando dormir, Claudinho deu um grito:
- Ahaaaaaarrrggh!
Ele saltou da cama, vestiu-se rapidamente, desceu as escadas em um só salto, correu para a garagem. Na passagem pela área da churrasqueira apanhou os óculos de proteção que estava sobre a mesinha e colocou. Já na garagem puxou uma enorme caixa da prateleira. Arrancou a tampa desta caixa e com apenas uma mão e empunhou a motosserra que lá estava guardada. Com a outra mão puxou a corda da ignição e soltou uma gargalhada mais tenebrosa do que narrador de filme de terror.
Ele saiu de casa, atravessou a rua, fatiou o portão do vizinho e se encaminhou para os fundos onde rolava o ritual de sacanagem aos propínquos. Eles, empolgados com a cantoria medonha e o barulho do equipamento, não perceberam a invasão do morador adjacente e surtado.
Em respeito aos possíveis cardíacos e as pessoas sensíveis, vou poupá-los dos detalhes sórdidos. Mas, foi o maior, o mais brutal, pior e terrível “karaokecídio” que o mundo já soube.
 É! Tá bom. Foi o único. Porém, foi muito sangrento.
 Coincidentemente a gota final de gasolina se foi com última vítima.  Então, encerrando o massacre, ele jogou a motosserra contra o aparelho barulhento liquidando com o som e retornou para sua casa calmamente e aliviado. Ele tirou os óculos e as roupas sujas, jogou-os na lavanderia, subiu as escadas para tomar um banho e deitou.
Mesmo ciente que esta poderia ser a última noite em sua cama, ele dormiu sorrindo.
Na manhã seguinte ele levantou como se acordara de um pesadelo, iniciou seu café sossegado sem barulho de vizinhos, políticos, cães e etc. Era o mais puro e invejado silêncio. Silêncio? Ele entendia a ausência dos “ex-cantores”, mas nem de longe, apesar de não ser o horário da briga com os seus, escutava os cães chatos. E cadê os políticos que não davam trégua? Até os seus cachorros estavam em um sono profundo.
Intrigado com o silêncio, ele olha para o chão da lavanderia e nada encontra. Mas, de relance vê algo e volta o olhar espantado para as suas roupas limpíssimas penduradas no varal cujo perfume do amaciante ele sentia de onde estava..  Correu para conferir a motosserra na garagem e a encontra sem vestígio algum da chacina. Na volta repara os óculos limpinhos em cima da mesinha. Sem entender pensa:
- Será que eu sonhei? Mas, eu tenho certeza. Foi tão real.
Um tanto aliviado, retornou para o seu café quando palmas soaram em frente a sua casa.
Era a polícia.
- Pois não!
- Senhor! Houve um massacre na casa em frente. Ao que indica foi um ataque de uma serra elétrica. O senhor viu ou ouviu alguma coisa?
- Não! Apenas barulho de pessoas cantando e música muito alta.
Ele não poderia se entregar sem ter certeza. Afinal, as evidências de que cometera o crime não existiam e ele só lembrava até o momento do banho e ter ido dormir. Só podia ter sido um sonho.
- Tudo bem senhor. Todos os vizinhos disserem o mesmo. Se lembrar de algo, por favor procure a polícia.
Passado alguns dias, Claudinho convencido de realmente ter tido um pesadelo e alguém ter executado o seu sonho matutou:
- Será que tenho poderes de premonição?  Mas, por que sonhei comigo mesmo? Sei lá! Mas, que este silêncio está bom, ah isto tá.
Então alguém com voz bem baixinha chamou-o no portão:
- “Carteeeiro”.
O tom era tão baixo que Claudinho só percebeu que tinha gente chamando porque seus cães estavam recebendo o rapaz com toda tradicional hospitalidade canina em recepção aos fiéis agentes da correspondência.
Ele se aproximou e perguntou:
- Por que não bateu palmas?
- Eu não quis incomodar – falou o carteiro com voz trêmula que entregou a carta e saiu rapidamente.
Claudinho abriu a carta e leu:

“Caro vizinho:
          Obrigado por nos livrar dos barulhentos.
          Ninguém mais aguentava aqueles assassinos da música.
          O senhor foi o único que teve coragem de fazer o que todos queriam.
          Não se entregue, mesmo que todos saibam quem foi.
          Estamos juntos nesta. É o nosso herói.
          Até os políticos evitam de passar perto daqui e o vizinho mala dos cachorros se
          mudou correndo esta manhã.
          Desculpa por termos invadido sua casa e o sonífero dos cães.
         Precisávamos limpar as provas do crime.
          PS: Por que a motosserra?”

Após ler, ele sorriu e respondeu olhando para a carta:
- Porque eu não tenho uma metralhadora.

* Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança é a mais pura vontade de ser realidade.

22 comentários:

  1. rsss adorei amigo.. vc é demais rssss

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  2. A linha entre a ficção e a realidade, as vezes é muito tênue.....

    Abração,

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  3. A imagem ficou dez..... fala por si só...ótima estória.

    Abração,

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    1. Reparou a marca da mão em sangue no peito do Karaokê Killer?

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  4. Chamun, adorei! um dos melhores textos... ah a foto tb ficou show! Parabéns!

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  5. Para dar os devidos créditos da foto...

    Criação: Claudio Chamun
    Fotografia: Fabrícia Santos

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  6. Claudio, demais, adorei. Se eu precisar posso te chamar com a motosserra ?????? Muito bom, delicioso de ler, parabéns!

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  7. Adorei o blog por sua tamanha originalidade, já estou seguindo e com certeza voltarei sempre para ver novas criações, deixo o convite para que faça parte do meu espaço também, abraço!
    www.paullolenore.blogspot.com

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  8. Poxa, já fizeram todos os comentários que eu gostaria de ter feito. Mas esse texto é incrível. Esse final me deixou quase sem fôlego. Muito bem bolado, parabéns.
    Retribuindo a gentileza, já estou seguindo. Gostaria de te convidar a participar de um grupo de blogueiros no Facebook.
    Abraços, e te espero mais vezes no STJ!
    http://www.facebook.com/groups/amigosblogger/
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  9. Morando perto do Jardim Botânico e acordando com os passarinhos é difícil se botar nos sapatos do Claudinho - apesar de que as festas na ESEF me colocam mais perto desse sentimento. Texto bem-humorado e que, com certeza, vai ter milhares de pessoas acenando a cabeça e rindo ao se identificar, porque ao menos um vizinho ruim já deve ter passado pela mente. "Quem com maus vizinhos vizinhar, com um olho há de dormir e com o outro vigiar."

    Abraço, seu Cláudio.

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  10. Tem dias que dá vontade de fazer a mesma coisa (mas seria com um facão).
    Adorei a crônica!

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  11. Adorei Claudio!!! To seguindo suas escritas.

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  12. Crônica perfeita! Gostei, porque resume toda a vontade que eu tenho com funkeiros e políticos, graças a Deus que as eleições estão acabando HAUHAUHUAHUHUA.

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  13. Essa poluição sonora incomoda todos. Jamais darei meu voto a quem desrespeita meu sono,e jamais respeitarei pessoas mal educadas que acham que todos devem tolerar seu "gosto musical" e "estilo de vida" Como sempre, adorei seu Post. Abraço.

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  14. kkkkkkkkkkkkkkkk
    Adorei Claúdio!!!
    Muito bom mesmo :D
    Abçs

    http://blogluminoso.blogspot.com.br/

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  15. Que medo de você com essa motosserra.

    http://www.arthur-claro.blogspot.com

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  16. Nossa não chegue perto de mim com uma motosserra kkkkkkkkkkkkkkkkk.

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  17. kkk, agora me veio a ideia de comprar uma motosserra pros meus vizinhos funkeiros, quem sabia eu consiga admiração dos outros ? rs
    beijos

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  18. Seu cara de pau na noite passada acordei toda suada, porque estava sonhando que matava várias pessoas com uma motoserra em um quarto fechado kkkkkkkkkkkkkk. Que loucura!!!

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