Peregrinação da nota

Esta história aconteceu com o Carlito que é conhecido do primo da ex-namorada do noivo da tia do pai da prima da namorada do dono do cachorro que vai à pet da amiga da irmã do meu amigo, mas é baseada em fatos.

Certa vez, Carlito precisou vender um imóvel que tinha adquirido em um plano tipo consórcio.  Ele foi contemplado com o apartamento, mas o financiamento continuou ativo. Como o valor da prestação ficou alto e ele não tinha interesse em manter o apartamento, resolveu vender.

Foi difícil. Passou nove meses até que apareceu um interessado com a proposta de um carro e mais um valor em dinheiro.

Apesar de que ele estava trocando um bem por outro, a proposta era justa.  O carro em questão era mais novo do que o seu e ainda poderia vender com mais facilidade do que o apartamento. Então, aceitou.

          Carlito resolver vender seu carro antigo e ficar com o adquirido na negociação. Como ele é muito certinho quis de imediato passar para seu nome.  Aí é que começou a dor de cabeça.

O carro foi negociado por Nicanor que lhe endossou uma procuração que tinha sido passada por Rudinei que também estava endossado por Marciana que era o nome que constava no documento do veículo, ou seja, ele não conseguiu passar o carro para seu nome.  Carlito teve que procurar Marciana que muito desconfiada passou para seu marido, que por sua vez, entendeu o problema e já estava indignado pelo carro estar rodando tanto tempo em nome de sua esposa.

Resolvido o problema, finalmente Carlito passa o carro para seu nome e faz o devido seguro.

Ele fica mais um ano com o carro o que significa uma renovação do seguro e resolve comprar um veículo mais novo, desta vez zero Km.

Na concessionária, ele teve uma ótima avaliação do carro usado e grandes vantagens na compra do novo. Era o verdadeiro negócio dos sonhos. Ele só precisava esperar alguns dias para receber o carro da cor que ele tinha escolhido.

Mesmo a concessionária deixando-o ficar com o carro usado, ele resolveu entregá-lo para não correr riscos.

Porém, o sonho virou pesadelo. Durante o período de espera ele recebeu uma ligação da sua representante de vendas, a Carla, dizendo que seu carro usado estava invendável porque ao ser vistoriado foi detectado que a frente tinha sido trocada devido a uma forte colisão e que o DETRAN pedia para que ele fornecesse a nota fiscal da peça.

O fato é que Carlito nunca tinha sofrido um acidente. Logo, o conserto constatado não tinha sido realizado por ele. E depois, como é que ele conseguiu passar o carro para seu nome e como a vistoria de dois seguros não constataram o problema? Bom, estas respostas nem o Carlito soube responder, mas o fato é que ele se ferrou legal.

Entretanto, o nosso guerreiro não se entregou. Ele mostrou boa fé junto à concessionária assinando uma procuração para vender o carro novo, que já estava em seu nome, e não retirou o carro velho, pois procurou resolver o problema.

Ele procurou por Nicanor, que lhe disse que tinha ficado com o carro apenas por duas semanas, pois também havia recebido na venda de um terreno que fez para o Rudinei. Este também negou dizendo que tinha comprado o carro de Marciana.

Antes de procurar Marciana, Carlito fez uma descoberta terrível. O carro que ele estava utilizando por um ano tinha se envolvido em um acidente que deu perda total.

Confuso, ele ligou para Marciana que confirmou a história, mas lhe disse que não tinha sido ela que recuperara o carro. Ela era uma laranja do Albertino que comprava carros com perda total e revendia.

Ao contatar Albertino, este lhe forneceu todos os dados que levava o problema de volta a Rudinei. Então, novamente nosso guerreiro vai atrás do indivíduo.

– Não foi eu quem recuperou o carro. Deve ter sido a ex-dona – disse Rudinei.

– Não sei cara, mas tenho os documentos que foi você – respondeu Carlito.

– Ah! Pode ser que foi porque eu troquei a frente. Eu tenho a nota.

– Assim facilita.

– Tenho! Mas preciso procurar. Neste fim de semana eu procuro.

– Ok. Vou aguardar.

– Por que você não compra uma nota?

– Eu prefiro resolver legalmente.

– Mas cara, uma nota é tranquilo. Eu arrumo para você muito fácil.

– Cara, por favor, procure a nota, Ok?

– Eu vou te ajudar, mas você sabe que legalmente eu não precisaria, certo?

– Sim eu sei, mas seu reclamar na polícia você teria que depor, não?

Rudinei continuou negando que tinha recuperado o carro, mas que poderia achar a nota fiscal.

Enquanto Rudinei procurava a nota fiscal, Carlito, que sabia que ela nunca seria encontrada, ligou para um advogado especialista neste tipo de problema.

– Olha Carlito, nós podemos entrar com uma ação contra todos envolvidos, mas vai levar anos e o carro não vai valer nada.

– E por que eu consegui passar o carro para meu nome e não consigo tirá-lo uma vez que o acidente não foi comigo?

– Porque a lei mudou.

– Pô! A lei muda depois que passei para o meu nome e eu que me ferro.

– Infelizmente, isto é Brasil, mas compra uma nota.

– Como?

– Compra uma nota que você vai se incomodar bem menos.

Depois deste conselho, Carlito resolveu procurar por Rudinei, que lhe deu a péssima notícia de que não achou a nota, mas disse-lhe que ele poderia pegar a segunda via com o ferro velho onde a peça fora comprada.

Carlito mais uma vez foi à luta. Só que desta vez foi muito mal tratado, pois o ferro velho devia fazer operações escusas.

Desanimado e vencido, ele procura por Rudinei novamente e aceita a nota fria.

No dia seguinte, ele volta a telefonar para Rudinei que lhe diz que a nota está pronta e que é só buscar. Assim ele da conta, agência e banco para que Carlito depositasse o valor gasto na nota.

Então...

– Carla é o Carlito, tudo bem?

– Oi, tudo bem, e contigo?

– Tudo certo. O carro que eu comprei ainda esta aí?

– Intacto e brilhando.

– Vocês tem motoboy?

– Temos. Conseguiu a nota?

– Sim! Pode mandá-lo buscar uma nota para mim?

– Que bom! Claro que sim.

Resumindo a história, o motoboy buscou a nota, o carro velho passou na vistoria e Carlito pode enfim pegar seu carro novo.

Quanto ao picareta do Rudinei?

Bom, eles nunca se viram pessoalmente, pois os contatos foram feitos apenas por um celular que Carlito estava desativando. A nota foi produzida em nome da Marciana que era quem constava como proprietária anterior no documento do veículo. Então, Carlito deu uma banana para o Rudinei que nunca poderia encontrá-lo.

Ele contou para o primo da ex-namorada do noivo da tia do pai da prima da namorada do dono do cachorro que vai à pet da amiga da irmã do meu amigo que não foi pelo dinheiro e sim porque desta forma ele não seria envolvido caso a nota fosse descoberta, pois diria:

– O carro foi consertado por ele. Eu disse se ele não me desse a nota eu daria parte na polícia. Aí, ele achou a nota e me enviou.